Paz na terra

Desta vez só mesmo para dizer que me passei atestado de doença. Tenho uma profissão magnífica, daquelas em que, mesmo doente, se tem que trabalhar. Recomendá-la-ia aos inimigos se os tivesse, mas não os tenho. Ao fim de cinquenta sete anos de vida poucas são as pessoas com que cortei definitivamente relações. No fundo são duas apenas aquelas a quem não falo. Uma delas cruzou-se comigo um dia destes no jardim aqui em frente de casa. Trazia, feliz, uma criança pela mão, se calhar por isso sorriu-me, cansado de estar zangado. Eu indiferente já a essa zanga disse-lhe «olá». Estamos velhos, talvez, como se a querer morrer em paz na terra, descredentes do céu e esgotados de inferno. Ou então, não sei. Talvez seja isso: não sei.