O cavaleiro da triste figura

O deprimido Vergílio Ferreira, quando escrevia a sua «Conta Corrente», irritava-se consigo mesmo por estar a escrevê-la, naquela forma de diário em que dava conta das suas insuficiências e inferioridades, o que o Eduardo Lourenço tanto lhe censurava.
No lírico José Gomes Ferreira surpreendi a patética confissão de achar uma vergonha ter sido o Luís Pacheco condenado, por difamação, a uma multa e ao mesmo tempo ele saber, por antecipação, que não iria contribuir com um chavo para o peditório que se estava a organizar para socorrer o que achava ser uma vítima do injusto «fascismo» cultural.
No bilioso Jorge de Sena escandalizei-me ao ver como ele hesitava vergonhosamente em assinar as listas do MUD, a oposição ao salazarismo, com medo de não ser incluído, por retaliação governamental, numa comitiva oficial que ia à Índia.
É por isso perigoso esceverem-se diários íntimos e ainda por cima publicá-los.
Correndo todos os riscos, mesmo o de passarem-se dias sem que eu venha aqui, descobri hoje que escrevo em «auto-punição». Disse-mo alguém que muito respeito. Talvez seja mesmo assim.
Por isso esta madrugada, fustigado pela vida, atado ao pelourinho do dever, a lamber, esgotado, as feridas da alma, não escrevo! Se o fizesse, passava, ridículo, pela triste figura de ter pena de mim. Ora para vergonhas já chega...