O tentador precipício
Hoje foi arrasado, como muitas coisas se arrasam e varrem dos locais. Perduram na memória, enquanto ela se não confunde, em álbuns amarelecidos enquanto os herdeiros os não jogam no lixo.
Foi neste Colégio que me matricularam, para fazer o quarto o quinto ano do Liceu. Vindo de Angola, de um estabelecimento privado de ensino, não sei em nome de que lei só poderia entrar no ensino oficial ao iniciar o 3.º ciclo.
A Avenida onde se situava chamava-se 28 de Maio, era e deveria ter sido sempre Alberto Sampaio, mas para mim era e foi a Avenida do Caroço por causa das cerejeiras que os antigos ainda recordavam plantadas na faixa que dividia a rua ao meio.
O prédio do Santo Agostinho tinha sido um hotel, o Hotel Portugal.Mas quando ali cheguei parecia-me imemorialmente o que era. É assim quando se é novo, tudo nos parece ter sido sempre o que é, tudo precisa de deixar de ser como está.
A fotografia foi tirada do lugar onde do lado direito desembocava uma íngreme rampa, ao topo da qual era a casa da família Santos Costa, que havia sido ministro da Guerra num Governo de Salazar.
Foi escorregando por ela, em dias de gelo, que, imitando outros, sentado num caixote de papelão a desfazer-se, em improvisado kart, desemboquei, em louca correria, a deslizar, tremendo de frio e de emoção, mesmo a meio da Avenida, onde me esperava não o aplauso pela ousadia tremenda, mas um "chapadão" castigador do Doutor Oliveira, professor de Geografia e disciplinador daquela chusma de "corrécios" e outros que disso se aproximavam em mau comportamento, que éramos, afinal, a maioria de nós.
Claro que a bofetada tentava, a seu modo, ensinar-me a defender-me de mim próprio. Talvez devesse ter levado mais umas quantas, não naquela altura, mas ao longo de uma vida que ali se iniciava, ao passar inconsciente dos treze para os catorze anos. Então, pareceu-me uma injustiça invejosa do mundo dos adultos para aquele heroísmo infantil.