O filho do solicitador



Quando comecei a minha vida como Advogado nunca me esqueci que era "o filho do solicitador". E que, na visão que na infância formara do que é ser-se Advogado, via a advocacia como algo muito acima daquilo que era o que se vivia na minha família, a elevar a um patamar de respeitosa consideração a pessoa do Dr. Terêncio Africano Lopes da Silva, meu padrinho de Baptismo, que cumulava uma temida porque assertiva vida de causídico, com a direcção e propriedade do Colégio de Veríssimo Sarmento, em Malanje, onde inicei os meus estudos primários.
Esta noção, a do ser-se o filho do solicitador, nunca tendo sido um complexo de inferioridade, tornou-se numa exigência contida de vida, acompanhou-me como uma segunda natureza, tal como os livros jurídicos de meu pai, que sobreviveram ao desastre de vida que nos atingiu em 1966 e nos fez passar pela amargura da penúria financeira, escondida por pudor, já eu na Faculdade, a inventar o que não tinha pela ficção do ter. 
Talvez tenha nascido aí esse ficcional outro eu que me arroja hoje pela veredas cortantes da escrita íntima, agora tão inerte em benefício para já da edição da escrita alheia, mas que voltará, estou certo, como um jorro de sangue a pulsar.
Encontrei-a hoje, esta velha fotografia, reunindo o pessoal ligado à aplicação da Justiça na comarca de Malanje. 
O quarto a contar da esquerda é meu pai, "solicitador encartado".  Chama-se José Barreiros Pina do Amaral. A Caixa Postal era a 131, o telefone o n.º 78. "Procurador Judicial", timbrava-se nos envelopes em papel de seda com que nos escrevia cartas em "correio aéreo", a prometer que se juntaria nós, durante cinco anos que por lá ficou, desde que, em 1961, a guerra começara. Quando regressou era uma sombra do que tinha sido. Três anos depois a vida esgotou-se-lhe. Foi num Verão, fazia eu exames orais na Faculdade de Direito, em Lisboa. Explicando ao professor que meu Pai falecera, adiou-me a prova por três dias.