Um editor confessa-se!


Terminou ontem no Porto uma parte da minha vida, a de editor.
Porque acrescentei esse modo de ser a outros, que já trazia comigo e eram aparências constitutivas de mim, se é que algo se reduz à soma das suas partes? Não sei. 
Comecei com O Mundo em Gavetas, etiqueta através da qual editei livros meus que, progressivamente, fui deixando de escrever. Um dia tudo isso se interrompeu, como se interrompera a razão que lhe dera vida.
Retomei com a Labirinto de Letras. Criada em 2009, teve um período de dormência e ressuscitou, acumulando livro após livro, um pequeno catálogo e a ideia de que poderia aventurar-se a mais. Nenhum autor teve de custear o que editei, suportei tudo quanto significa tornar um original num livro, revisão, grafismo, tipografia, sessões de apresentação, colocação em venda.
Sujeitei-me à percentagem que o mercado cobra, 60 a 65% do preço que o leitor paga na livraria, percentagem que o editor recebe em tempo a perder de vista, tendo de pagar a pronto todos os encargos da edição. Sacrifiquei os meus, gratuitamente, em trabalho que paguei apenas com envergonhada gratidão.
Fui somando sobras e prejuízos. Cento e cinquenta mil euros depois, centenas de sobras acumuladas, a insolvência da distribuidora, de que me socorri, ditou o fim da aventura, a impossibilidade de continuar.
Talvez fosse este, ao arrear taipais, o momento de fazer um balanço. Não o faço. Talvez eu pudesse ter encontrado uma saída, muitos subsistem neste ramo, por ventura porque profissionais. Talvez esta actividade editorial não fosse, na minha cada vez mais exigente vida, a menos apropriada à minha pessoa, ao que, por isso, dediquei mais ilusão do que paciência.
Não sei.
Os livros por aí ficam, nem sei o que lhes faça. Tenho-os oferecido agora aos autores. Outro dia, um editor amigo, animado, que dizia estar com o que conseguia, aludiu, porém, aos milhares de obras que ia mandar guilhotinar para encurtar despesa de armazém, onde se empilhavam, invendáveis. Dói o coração pensar nisso.
Uma palavra fica para os autores que confiaram; uma palavra, também, para os leitores que corresponderam. 
Amanhã, apresentarei um livro que editor amigo publicou. A ele prometi, e tenho-o quase escrito, um texto sobre Maria Ondina Braga. Hoje ao almoço entusiasmei-me ao falar nos livros que comecei a escrever. Ao começo da tarde, implorei mais tempo para o contributo que está jurado para uma colectânea para que me convidaram. Anteontem, trouxe para casa mais dois livros para ler. Junto-os aos tantos que povoam as estantes, que serpenteiam os meus espaços, esperança e longa e lúcida vida, desejo de tempo.
Não lamento porque falhei, lamentaria se não tivesse dado voz à ânsia de ter arriscado. A intenção foi honesta. Pensei que era possível e lutei por isso. 
Como última reflexão, neste momento de intimidade partilhada, o ridículo de tudo isto: poderia ter editado, e nisso esgotado energias, ao serviço de um credo, uma ideologia, os interesses de um grupo, uma tentativa de fazer triunfar, já nem digo uma ideologia, ao menos uma ideia, em nome que fosse de uma vaidade pessoal. Ridiculamente, não. Foi apenas para que outros tivessem voz. 
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