O meu menino


Tenho andado por aqui a escrever a esmo. Não são memórias porque tenho pudor e teria de omitir nem auto-biografia pois tenho o sentido do ridículo. São momentos, dispersos, desordenados no tempo, meus e dos meus. Aqui e além desenterro uma recordação, um velho papel, uma fotografia. E a propósito sigo em frente, contando o que me lembro e o que se me suscita. São lembranças e ficções que é assim que uma vida surge aos olhos dos outros mesmo quando contada pelo próprio.
Em muitas casas havia o livro de Samuel Maia, "O Meu Menino", «recomendado pelo Ministério da Educação Nacional» para os Cursos de Puericultura..
Pois ali estou eu, anotado nas folhas finais, com a cuidada caligrafia de meu pai. Nasci com 53 centímetros, pesando três quilos meio. No fim do primeiro mês já «distinguia os sons», reconhecia «o doce e o amargo». «Chora com lágrimas», sublinhou. Passei a dar gargalhadas ao quarto mês. Nessa altura já notavam: «Prefere estar sentado». 
Olhando hoje, com ternura de memória visitada, para tudo isto creio que está ali muito do que há de essencial na vida. Até quando, ao sexto mês, aquele meu pequeno eu «não engatinha».