A passagem das horas

Passa um ano, cai uma folha no calendário. Às 19:40 do dia 2 de Novembro de 2004 cheguei à blogoesfera. Criei aqui uma página, que ainda existe, dedicada à intervenção social e cívica, nessa medida política. O título era a de uma crónica que eu assinava no Diário de Notícias e que terminou como um acto de rebeldia. Chamava-se A Revolta das Palavras. Ainda está aqui esse último texto. Depois, em Abril do ano seguinte, surgiu um outro blog, intimista, pessoal, que gravita hoje apenas pelo espaço da memória. Cheguei a um momento em que me tinha desdobrado em tantos blogs quantas as categorias de pessoas em que me dividia, uma espécie de cissiparidade mental, a rondar o desdobramento da personalidade. A ideia parecia insólita. A exposição pública tornou-se controversa. Apesar de tudo, eu tinha uma máscara pública a manter, uma persona outra, oficial, e agora uma plateia ante a qual era actor.
Vivi o bom e o mau na blogoesfera. Cheguei em momentos de desânimo e em ímpetos de raiva a apagar quanto escrevera, a retirar todos os blogs do ciber-espaço.
Foi, porém, aqui que a escrita ficcional que hoje é uma natureza própria ensaiou os primeiros passos. Foi nessa escrita que se centrou a minha vida. Praticamente tudo se me esgota aqui, nesta biblioteca universal em que me desfolho, leitor primeiro do que como outrem escrevo. Surpreso por vezes.
Passa um ano. A que outro lugar poderia eu vir deixar um aceno de amizade, naquela forma defeituosa em que consigo exprimir-me, disléxico sentimental, raça medíocre para quem o afago de um reconhecimento basta, a fantasia da compreensão passiva já parece demais?
Logo mais pela noite, à hora estrondosa do champanhe e do bota-fora, que nesta Terra onde habitamos se vai vivendo momento a momento, como fragor por cima da miséria, da solidão e da dor, tal como o ciclo lunar da fantasia, o ciclo solar do entusiasmo, País a País, homem a homem, segundo a hora legal, vivam, vivam todos! Tem de haver uma forma de ser feliz neste renovar da esperança! A vida não pode ser apenas a passagem das horas.