A generosidade de mais tempo, mais algum tempo



Vai ficar na lateral deste blog como alteração ao seu perfil:

«Chamo-me José António Barreiros. Nasci em 1949. De vez em quando reformulo esteblog que criei em Fevereiro de 2006. Começou por ser o único lugar onde escrevia, aos poucos foi-se tornando numa espécie de memória do que vivia. Para além disso, nalateral fiz constar a actualização dos blogs que subsistem ante os vários que criei e uma explicação da razão de ser de cada um. A diversidade não é um dom, sim uma tragédia que se tenta viver com ironia como uma farsa, cómica menos o parecer em excesso ridículo pelo horror ao banal, trocando tristeza por carinho.
Toda a biografia é uma ficção em que o autor é intérprete da sua personagem. É este o teatro da vida. Por isso esta escrita neste local não tem a vaidade de ser uma auto-biografia, pois para tal era necessário ter grandeza. É apenas um caderno de apontamentos de viagem. Alguns dos textos vieram do fundo das gavetas da memória, já escrita. 
À medida que leio o que os outros escrevem sobre os defeitos alheios sinto pudor em não contar os meus horrores. Ser são, naquele sentido em que a decência de alma conta, tem sido uma processo diário de luta contra a adversidade, a começar pela interior, tantas vezes posta à prova.
Tomara que não existisse a íngreme vereda do desnorte a precipitar a queda, a parede gélida a que encosto a cobardia da indiferença. Seria como tantos herói na planície soalheira e bondosa em que os vejo viver. Loquazes, pontificais.
Aos 65 anos peço à vida a generosidade de me permitir encontrar modo de reparar o mal que à vida fiz.
Talvez por isso tenha mudado o perfil que acompanhou este espaço privado: a necessidade de nascer por mais algum tempo.»

Cerco a São Bento

Eu era então o Secretário do Conselho de Ministros do Governo presidido pelo Almirante Pinheiro de Azevedo. Fora Francisco Salgado Zenha quem me pediu que aceitasse o lugar naquela complexa situação de precário equilíbrio de forças: um só ministro comunista, Veiga de Oliveira, um só ministro do PPD, Magalhães Mota.
Naquele dia tinha ido almoçar à Baixa. Regressava no autocarro 38 que subia a Avenida da Liberdade, vagaroso, entre filas espessas de operários, de punho no mar, vindos da margem sul.
Ao desembocar no Largo de São Bento a História dividiu-se em duas partes. Haveria que tomar campo. Corri para as entradas laterais do edifício da Assembleia da República e ainda hoje guardo na memória auditiva o estrondo dos enormes portões a fecharem-se sob as minhas costas.
Corri pelo interior até à Residência Oficial do Primeiro-Ministro, onde era o meu posto.
Sitiado todo o edifício, uma betoneira barricou a entrada da Rua da Imprensa à Estrela. O "controlo operário" fazia a triagem dos que eram autorizados a sair. Fiquei porque achei que deveria ficar.
Foram três dias de cerco.
O que se passou será um dia contado. O helicóptero que sobre os jardins para atentar resgatar o general Galvão de Melo, retido na sala de espera da residência, as traições que vinham de Belém sob a forma de ambiguidades, o papel que teve o aparelho do PCP para conseguir retirar os que, à chegada da aeronave, galgaram os altos muros e correram, em desafio e raiva, sobre o local onde, mal defendidos por uma pequena unidade de fuzileiros navais, aguardávamos o pior.
Na Assembleia votava-se a Constituição. Não terá sido esse o objectivo estratégico da acção, impedir a consecução da Lei Fundamental. Ela demonstrou apenas que o poder estava na rua. Foi tudo a 12 de Novembro de 1975.