Cerco a São Bento
Eu era então o Secretário do Conselho de Ministros do Governo presidido pelo Almirante Pinheiro de Azevedo. Fora Francisco Salgado Zenha quem me pediu que aceitasse o lugar naquela complexa situação de precário equilíbrio de forças: um só ministro comunista, Veiga de Oliveira, um só ministro do PPD, Magalhães Mota.
Naquele dia tinha ido almoçar à Baixa. Regressava no autocarro 38 que subia a Avenida da Liberdade, vagaroso, entre filas espessas de operários, de punho no mar, vindos da margem sul.
Ao desembocar no Largo de São Bento a História dividiu-se em duas partes. Haveria que tomar campo. Corri para as entradas laterais do edifício da Assembleia da República e ainda hoje guardo na memória auditiva o estrondo dos enormes portões a fecharem-se sob as minhas costas.
Corri pelo interior até à Residência Oficial do Primeiro-Ministro, onde era o meu posto.
Sitiado todo o edifício, uma betoneira barricou a entrada da Rua da Imprensa à Estrela. O "controlo operário" fazia a triagem dos que eram autorizados a sair. Fiquei porque achei que deveria ficar.
Foram três dias de cerco.
O que se passou será um dia contado. O helicóptero que sobre os jardins para atentar resgatar o general Galvão de Melo, retido na sala de espera da residência, as traições que vinham de Belém sob a forma de ambiguidades, o papel que teve o aparelho do PCP para conseguir retirar os que, à chegada da aeronave, galgaram os altos muros e correram, em desafio e raiva, sobre o local onde, mal defendidos por uma pequena unidade de fuzileiros navais, aguardávamos o pior.
Na Assembleia votava-se a Constituição. Não terá sido esse o objectivo estratégico da acção, impedir a consecução da Lei Fundamental. Ela demonstrou apenas que o poder estava na rua. Foi tudo a 12 de Novembro de 1975.