O cais e a incerta viagem


Em 1966, depois de ter feito admissão à Faculdade fui de emergência a Angola. Um telegrama enviado a minha Mãe com o lacónico «seu marido muito mal» foi o alerta e o pré-aviso do Céu que nos cairia em cima.
Era Agosto. Em Outubro regressei ao Continente para não mais voltar ao local onde nasci.
Vim de barco, bilhete cedido por favor, o velho paquete atulhado. O único lugar então disponível, a 3ª classe [suplementar] improvisada por cima dos portões. O êxodo tomava então já conta de todos os meios de saída.
Quando o navio se afastou da amurada, os meus olhos, então focados nos meus pais, que acenavam do cais, nada mais viam. Eles ficariam para voltarem uns meses depois, eu tinha dezassete anos e lá vinha entregue à minha sorte.
De súbito dei conta de um espaço vazio entre o cais e o casco da embarcação. Tinha-se soltado a amarra, o mar separava então.
Alguém a bordo trazia uma máquina fotográfica. E ali fiquei, menino entre desconhecidos, olhando o indefinido e o incerto. Sou o que está esquerda da fotografia, como talvez não fosse necessário dizê-lo.