Vivendo da escrita
Escrever é uma necessidade, uma urgência íntima, um modo de dizer. Às vezes, escrever é uma forma de ter companhia, outras vezes de a perder. Desde que descobri a blogoesfera fui deixando aqui, como se cadernos dispersos de apontamentos fossem, vários blogs. Alguns rasguei, de outros conservaram-me amigavelmente as folhas rasgadas. Escrevi, plural no tema, múltiplo no sujeito, uno na ilusão, a de que teria algo a dizer. Só que escrever é uma forma de se viver, a capacidade de passar do visto ao pensado, e de uma pessoa se exprimir legivelmente, mesmo contra aquilo que sente. Há umas semanas, como notaram alguns leitores, decidi suspender isto tudo, ao ter descoberto que sobrevivia pela escrita, em vez de viver. Confesso a fraqueza de não ter sido capaz me manter morto. Regresso, pois, cabisbaixo como um doente condenado à sua cura. Venho embrulhado num novo formato, como se num diário. Em cada dia, uma linha, uma frase remeterá para os blogs que já existem, para qualquer outro que possa vir a existir. As vantagens são só duas. O leitor, a haver leitor, percebe logo se houve escrita. O autor, e na verdade volta a haver autor, explica logo onde escreveu. Claro que, folha a folha um homem, na ânsia de viver, vai-se matando a escrever. No final, é mais ou menos como nos cemitérios: o coveiro, ao estender os olhos pelo campo raso, vê crescer o número dos que foi plantando. Raro é o dia em que não chega mais um.