Abravezes
Na altura não sabia que, em 1932, ali tinha vivido clandestinamente o escritor Aquilino Ribeiro. A Igreja estava nesses anos, em que ali vivi, tal qual esta fotografia de 1929. Junto a ela uma frondosa árvore, um banco de jardim e, nele, solitário, de porte digno, frequentemente um velho militar reformado, tomando da sombra o fresco. Eu era infantil demais para dele saber o nome. Lembro sim da tasca do «Zé da Bucha» e das casas que o Manuel da Adega construía e ia vendendo, como aquela em que nós vivíamos, quase ao lado do cemitério. Já lá não está um palheiro onde por esmola vivia um mendigo tuberculoso, cuja tosse se ouvia como facadas no coração do nosso bem estar, desfazendo-lhe os pulmões e a minha consciência moral de menino "africanista". Mais abaixo o supermercado "Spar", da "Cilinha", a que passeava um cão cujas patas traseiras haviam sido esmagadas por um atropelamento e que ela empunhava, conduzindo-o, para a volta necessária, como a um cortador de relva. E o sanatório, mais adiante, estrada por onde passeava a minha Mãe e o seu filho, o único homem, garoto ainda, que havia naquela solitária casa, aguardando o regresso do meu pai, sabendo dele pelo correio aéreo, cartas e envelopes escritos em papel de seda para, mais leve, não encarecerem o custo postal. E antes dela, a estrada romana, incerta, bordejando silvas cujas amoras tinham de bom a delícia do sabor e de mau os desarranjos que causavam, intestinais.
Se tenho saudades? Não tenho. Talvez tenha sido aí que me nasceu na alma o sentimento da melancolia e da não pertença. Um dia um telegrama chegou: «seu marido muito mal». Vinha de África. O menino africanista iria aprender a fazer-se homem. Em Lisboa, terra de asilo, onde fiquei.