Um dia de Sol


Comemoraram nesse dia um ano de casados e no seu ventre era já uma breve existência a minha pessoa. Hoje assinalámos os seus noventa anos. Da capacidade de comunicar resta-lhe já só o apertar forte de uma hesitante mão, o olhar de aflição de quem nos quereria dizer que nunca foi dito. 
Foi uma vida silenciada a martírio a sua. Lentamente a agrura transmutou-se em ódio, a dignidade em solidão. Depois todos os outros sentimentos foram secando. Viveu sozinha os últimos quarenta e três anos, encerrando-se no interior de si.
Ficou-lhe o orgulho no seu menino. Dizia-o a quem a ouvia, mas no mais desaprendeu o modo de o exprimir. 
De herança ficará um dia o culto do dever, a honra indeclinável. 
Estivemos hoje todos os que ficaram no seu mundo cada vez mais estreito.A Natureza trouxe-nos o Sol, fonte de tudo quando vive.