O desejo de fazer feliz
A fotografia foi tirada, segundo a minha Mãe escreveu, com a sua cuidada caligrafia gótica, no verso da mesma, a 20 de Abril de 1953. Tinha, pois, quatro anos de vida.
Lembro-me, com uma precisão milimétrica de tudo o que ali está, a roseira que, espinhosa, aflora por detrás do meu pequeno corpo ligeiramente tombado, o embaraço infantil de quem não quer ter ter pose, o canteiro do pequeno jardim que era a parte fronteira da pequena vivenda onde vivíamos em Malanje, a próprio cor e húmus cacimbado dessa ubérrima terra que dava vida às flores.
A fotografia está assinada: «Nelson». Personagem de um mundo de adultos, já não consigo recordar quem seja.
Olhei-me hoje, revendo-me ali naquele oblíquo feito de incerteza e ingenuidade, esse ângulo em que os sentimentos refractam. Estava definida o que seria a biografia. Entreguei-me desde aí ao correr do tempo. A casa já nem sei se existe. Tanto mudou, não o que a objectiva encontrou naquele instantâneo: o desejo de que alguém ficasse feliz por mim, nem que fosse no breve instante de um retrato.